O trem parte. A velocidade, os olhos fechados, a música nos ouvidos: e eu vago. Simples, assim, como um vôo cego.
Acordo subitamente do curto transe com a porta abrupta que abre e fecha. Esqueço completamente pra onde estou indo. Encontro algumas anotações, um número, um nome, mas não faço idéia nem de onde, quando nem como.
Sei que nunca estive.
Abandono a história de endereços destinos hora marcada e volto a me transformar no vagão. Sinto agora perfeitamente o meu corpo percorrer os trilhos e entendo intensa e claramente o meu trânsito.
Não tenho medo de errar o destino, porque não estou indo pra lugar algum. Apenas caminho para reencontrar o que deixei na última estação e voltar a sentir, nem que por alguns instantes, como aquela transa, alguma sensação de inteireza. E tudo fará sentido depois do trânsito: um laço unindo uma ponta à outra - compreendo comigo mesma tão rápido quanto à velocidade deste trem e tão certo quanto esses refrões repetidos que escuto.
Faz sentido.
Abro os olhos.
Lembro de tudo e do lugar exato onde quero chegar. Lembro que não era inteira assim há décadas. Olho o relógio para voltar aos números, datas e combinações. O relógio, agora tenho um relógio, não tenho um relógio há décadas, penso olhando demoradamente o ponteiro dos segundos. A porta abre e eu ligeira na rua cinqüenta e sete acerto a estação e desembarco.
Lembro que vai chover enquanto subo as escadas. Já estou pronta para outro outono. Minha última chuva eu já sequei.